segunda-feira, 26 de outubro de 2015

A Importância da Cidade de Jerusalém para o Reino Unido de Israel: Uma perspectiva geográfica


Introdução 

Quando lemos as Escrituras, seus comentaristas e até mesmo a história secular, é impossível não notar a relevância da cidade de Jerusalém. Desde os dias dos patriarcas até a era apostólica, Jerusalém foi palco de acontecimentos que marcaram de uma vez por todas a história do Povo de DEUS, bem como a história de toda a humanidade. Entretanto, dentre todos estes períodos, queremos destacar a importância desta cidade para o Reino Unido de Israel dentro de uma perspectiva geográfica.
Para tal, faremos um breve levantamento da história de Jerusalém antes da era monárquica Israelita, pontuando aspectos mais importantes segundo a narrativa bíblica. Em seguida, abordaremos os aspectos estratégicos, políticos e geográficos que permitiram a Jerusalém desempenhar um papel de polarização tão importante durante a monarquia.
Acreditamos que tudo isso nos ajudará a compreender um pouco melhor a forma do SENHOR agir no espaço geográfico para levar a bom termo os seus decretos eternos.




Falar da história de Jerusalém é um grande desafio, pois não estamos falando de uma cidade contemporânea, mas de um dos maiores ícones do mundo antigo, pois ainda nos dias do patriarca Abraão – que remontam a aproximadamente 2100 a.C. – já podemos perceber a existência de uma Jerusalém embrionária, naqueles dias conhecida como Salém, uma Cidade Estado dotada de estruturas governamentais e religiosas que convergiam na pessoa de Melquisedeque, rei de Salém, o qual também é chamado de “sacerdote do Deus Altíssimo” (Gênesis 14:18). Embora não existam testemunhos arqueológicos que comprovem a associação direta entre Salém e Jerusalém, muitos estudiosos de renome a sustentam, tais como: Bruce: “Melquisedeque de Jerusalém (esse nome ocasionalmente é abreviado como Salém, cf. Sl. 76.2)” (BRUCE, 2008, p.171); Robertson: “[...] na estrada que corre pela crista da cordilheira central da Palestina, teria chegado ao local de Salém. Mais conhecido pelo nome de Jerusalém, esta cidade, que é a mais importante de todas na história da redenção, fica no extremo norte das montanhas da Judéia.” (ROBERTSON, 2010, p70); Tognini:

A raiz IRW encerra a ideia de “fundamento”, ou “estabelecimento” e SALEM é o deus cujo altar-sede estava na cidade. Em Gên. 14.18 aparece apenas SALEM; o Salmo 76.2 desdobra a palavra SALEM e SIÃO. O mesmo acontece no registro da carta 290 de Tell El-Amarna, onde se lê: SALIM ou SALMANU. O Gênesis apócrifo diz taxativamente: “Jerusalém é Salém”. (TOGNINI, 1983, p.204)

A possibilidade da antiga Salém ser Jerusalém enriquece ainda mais o seu histórico, haja vista o fato de Melquisedeque estar associado à pessoa de Cristo, como nos mostra a carta aos Hebreus 5.6.
O primeiro contato de Abraão com o rei de Salém aconteceu após a batalha dos quatro reis contra cinco, quando Melquisedeque sai ao encontro de Abraão com pão e vinho e este lhe paga o dízimo e é por aquele abençoado. Mas ainda outro fato importante aconteceu nas imediações da antiga Jerusalém nos dias de Abraão. O monte Moriá, um dos montes que compõe o conjunto orográfico desta cidade, foi palco de um dos episódios mais dramáticos da vida de Abraão, “No monte Moriá, em Jerusalém, Abraão atou ao altar o seu único filho, o filho a quem amava (Gn.22.9-10). Felizmente, só foi exigido do patriarca que executasse esse sacrifício em seu coração [...]” (ROBERTSON, 2010, p.70).
Depois disso, a Bíblia se cala quanto aos rumos desta cidade, voltando a falar dela nos dias da conquista da Terra Santa com Josué, sucessor de Moisés. Todavia, ela não aparece mais como uma cidade amiga de Israel, e sim como uma das principais opositoras na conquista da Terra Prometida. Tal oposição não logrou êxito, mas Jerusalém provou ser uma cidade difícil de ser conquistada. “A cidade de Jerusalém fora tomada no tempo dos Juízes (Jz 1.8), mas não a fortaleza dos jebuseus. Essa ficava na colina sudeste, mais tarde chamada cidade de Davi ou Sião.” (UNGER, 2006, p.161).
Essa condição de conquista parcial da cidade dos jebuseus perdurou até os dias do reinado de Davi. Tal conquista era tida como impossível por parte dos jebuseus, pois confiavam nas barreiras naturais que impediam o avanço de qualquer exército: “Jerusalém está edificada sobre montes: a noroeste, o Acra; a nordeste, o Bezeta; ao ocidente, o Sião: ao oriente, o Moriá, e a suleste, o Ofel.” (TOGNINI, 1983, p.204). Esse conjunto de montes conferia a Jerusalém uma condição única. Uma vez que todo o seu contorno, com exceção da face norte, era formado de profundos vales em “V”, que por sua vez, eram acompanhados por muralhas densas e sólidas. Portanto, sitiar Jerusalém era uma tarefa difícil, dado que exércitos só poderiam chegar aos portões da cidade pela face norte. Nem mesmo os romanos entre 66 a 70 D.C. tentaram entrar em Jerusalém pelos lados cercados pelos vales.




Vimos no item anterior os obstáculos naturais que dificultavam a conquista completa e definitiva da cidade de Jerusalém. Assim, podemos nos perguntar: O que levaria um rei, que buscava sua consolidação em meio a uma nação dividida, a atacar uma fortaleza tida como inexpugnável? Não estaria Davi colocando em risco o seu reinado?
É bem verdade que Davi estava arriscando a sua coroa, pois uma derrota nessa fase de consolidação do seu reinado, certamente instigaria seus opositores a usurpar o seu trono. Mas os motivos que levaram Davi a empreender dura e acirrada campanha militar contra esta cidade (2Samuel 5.6-10) foram estes: 1-Localização estratégica do ponto de vista militar e geográfico: Da mesma forma que Davi e os líderes do povo de Deus que vieram antes dele tiveram dificuldade de conquistar Jerusalém, sob o domínio de Davi, Jerusalém se tornaria ainda mais sólida e resistente a qualquer investida militar adversária, como de fato se tornou. Além dos aspectos físicos da paisagem que compõe Jerusalém e que dificultam quaisquer ataques, temos também o fato de que Jerusalém estava mais centralizada dentro do território dominado por Davi. O que é uma vantagem do ponto de vista defensivo, pois qualquer ataque contra Jerusalém, obrigatoriamente, teria que se deslocar por longas distâncias dentro dos domínios de Davi antes de chegarem ao seu alvo principal, facilitando assim a organização de estratégias defensivas; 2- Politicamente Neutra: A tomada de Jerusalém e sua escolha como capital do reino também possui um forte viés político. “Sua tomada foi politicamente importante porque extirpou o último vestígio de controle cananeu na região, e deu ao reino uma capital neutra, situada entre Judá e Israel, mas pertencente a ambos.” (UNGER, 2006, p161). Segundo ROBERTSON, a escolha de Jerusalém como capital foi uma medida politicamente perfeita, pois sua localização próxima das tribos de Benjamim e Efraim (principais opositoras), mas ainda assim junto a fronteira de Judá (principal apoio) poderia apaziguar os ânimos de ambos os lados, canalizando a força das tribos para os conflitos externos. Portanto, Jerusalém valia o risco de ser conquistada.




Tendo uma vez dominado a cidade e eliminado os jebuseus, Davi tomou medidas para transformar e aperfeiçoar a nova capital. “Ele a ocupou e realizou um grande trabalho de reconstrução para fazer dela a capital digna do reino. [...] aparentemente começando as fortificações concluídas posteriormente por Salomão (cf. 1Rs 9.15,24).” (BRUCE, 2008, 515).
Mas o que transformou Jerusalém no principal ponto de convergência e polarização dos Judeus não foi o fato dela ser difícil de ser conquistada, ou mesmo o fato dela estar mais centralizada que a antiga capital Hebrom. Os dois elementos que conferiram tal proeminência a Jerusalém foram: a- a permanência do trono real em Jerusalém; b- e o principal, a transferência do Tabernáculo para Jerusalém, seguida da construção do Templo por Salomão. “A arca entrou em Jerusalém em meio a muita celebração e os levitas a colocaram na tenda que Davi havia preparado para ela. Jerusalém tornava-se o centro espiritual e político de Israel.” (ARNOLD, 2001, p214).
Enquanto capital política, Jerusalém passa a receber diariamente pessoas de todo o reino que buscavam estar na presença do rei, para que este pudesse julgar suas causas. A família real e todos os demais nobres também passam a ter Jerusalém como seu local de morada e principal ponto de referência. Consequentemente, comerciantes de todos os seguimentos também seriam atraídos para Jerusalém a fim de suprir a demanda por mercadorias que a nobreza geraria. Mais comerciantes implica também na presença de mais caravanas mercantes para abastecer os mercados de Jerusalém. Se somarmos a tudo isso o fato da Palestina como um todo estar no ponto de convergência de três continentes (África, Europa e Ásia), chegamos à conclusão que Jerusalém se tornou parada obrigatória de qualquer viajante entre estes continentes. Não é atoa que “Os cartógrafos medievais representavam o mundo por um círculo, com Jerusalém no centro.” (TOGNINI, 1983, p.11).
Todavia, o que fez de Jerusalém a cidade mais importante do Reino Unido de Israel em todos os tempos foi o fato dela ser a capital religiosa dos hebreus. O que implica na confluência periódica de toda a nação para Jerusalém para a celebração das festas estabelecidas pelo próprio Deus. Todos os anos, por várias vezes no ano, os israelitas subiam para Jerusalém com suas famílias para celebrarem três grupos de festas: No mês de Abib - Páscoa, Pães asmos e primícias; No mês de Sivan – Pentecostes; E no mês de Tishri - Festa das Trombetas, Dia da Expiação, Tabernáculos e Santa Convocação. Para ressaltar a importância dessas festividades e peregrinações para Jerusalém, podemos citar os vários cantos de romagem contidos no livro dos Salmos, os quais eram cantados enquanto as caravanas dirigiam-se para o Templo do SENHOR edificado por Salomão em Jerusalém. Essa prática ainda perdura nos dias de Jesus como nos relata o evangelista Lucas: “Ora, anualmente iam seus pais a Jerusalém, para a Festa da Páscoa.” (Lucas 2:41 RA) e podemos ver isso se repetindo ao longo do ministério de Jesus com seus discípulos, sempre indo e vindo a Jerusalém para as suas festividades (João 2.23, 5.1, 12.12) e também no cumprimento do Pentecostes (Atos 2.5).
Jerusalém exercia um poder de polarização tão forte sobre os israelitas, que Jeroboão, após a divisão do reino entre norte (Israel) e sul (Judá), percebeu isso, tomando a seguinte atitude:

Disse Jeroboão consigo: Agora, tornará o reino para a casa de Davi.  Se este povo subir para fazer sacrifícios na Casa do SENHOR, em Jerusalém, o coração dele se tornará a seu senhor, a Roboão, rei de Judá; e me matarão e tornarão a ele, ao rei de Judá.  Pelo que o rei, tendo tomado conselhos, fez dois bezerros de ouro; e disse ao povo: Basta de subirdes a Jerusalém; vês aqui teus deuses, ó Israel, que te fizeram subir da terra do Egito!  Pôs um em Betel e o outro, em Dã.” (1 Reis 12:26-29 RA)


Portanto, percebemos que a vida de todo o povo de Deus na nação de Israel, e até mesmo fora dela, era grandemente influenciada pela cidade de Jerusalém. Afinal, toda a sua vida religiosa e política estava profundamente arraigada a capital dos hebreus. Mas ainda gostaria de concluir com as palavras de Enéas Tognini:

[...] Jerusalém não era o centro do mundo, mas a cidade estratégica e estrategicamente posta por Deus, para onde se voltaria a atenção do mundo inteiro, “na plenitude dos tempos” (Gál.4.4) com o advento do Filho de Deus. Canaã era uma meta a ser alcançada. Temos, então, a razão de Deus fazer convergir o curso da história do mundo antigo para essa nesga de terra, disputada pelas potências do passado próximo e remoto e ainda na atualidade. A importância não está tanto na posição geográfica de Canaã, como no que nela se desenrolou, principalmente no que tange ao Messias o Filho de Deus. (TOGNINI, 1983, p.14)


  
Ao longo dessa breve pesquisa, nos foi possível perceber que desde os dias dos patriarcas, a Jerusalém embrionária (Salém), já tinha um papel relevante no plano da redenção. E assim como as Escrituras tiveram sua revelação de forma progressiva, Jerusalém também cresceu progressivamente em importância e relevância na história do povo de Deus até chegar a sua plenitude. E desde que foi elevada ao status de capital, sem sombra de dúvidas, Jerusalém tornou-se o maior centro polarizador para toda a nação.
Assim, as tribos de Israel que se encontravam dispersas nos dias que antecediam a conquista de Jerusalém, uniram-se em torno de sua nova capital e assim permaneceram durante o restante do reinado de Davi e durante todo o reinado de Salomão.


REFERÊNCIAS


ARNOLD, Bill T; BEYER, Bryan E. Descobrindo o Antigo Testamento. Tradução de Suzana Klaen. São Paulo: Cultura Cristã, 2001. 527p.
BRUCE, F.F. (Org.) Comentário Bíblico NVI: Antigo e Novo Testamento. Tradução de Valdemar Kroker. São Paulo: Editora Vida, 2008. 2271p.
ROBERTSON, O.Palmer. Terra de Deus. São Paulo: Cultura Cristã, 2010. 143p.
TOGNINI, Enéas. Geografia da Terra Santa. 2.ed. São Paulo: Louvores do Coração, 1983. 230p.

UNGER, Merrill Frederick. Manual Bíblico Unger. Tradução de Eduardo P. e Ferreira, Lucy Yamakami. São Paulo: Vida Nova, 2006. 743p.

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